Este é um breve conto sobre um esquecido filósofo da antiga Grécia. Dentre os muitos momentos pitorescos de sua vida e de suas obras, contarei aqui apenas um, uma vez que muito pouco do que ele escreveu restou ou foi encontrado até agora e a maioria dos relatos sobre sua vida foram feitos por outros pensadores, tão ou mais obscuros, de sua época e que por vezes divergem em alguns detalhes.
Pedráclito era um homem simples que vivia em uma pequena cidade próxima a Mileto, na atual Turquia. Em princípo era pescador, mas abandonou a atividade e mudou-se para a área central da cidade em busca de uma vaga na Acadêmia, onde logo destacou-se como aluno estudioso e perspicaz, embora fossem poucos os que de fato conseguiam entender o seu discurso sinuoso, sem pontos nem parágrafos e de extensão fora do comum. Era conhecido também, nos bosques que cercavam a pequena acadêmia, pelo seu bigode e sua vasta cabeleira, que segundo dizem, serviu de inspiração para um famoso cantor brasileiro quase vinte séculos depois, enquanto o bigode serviu de modelo para os toureiros espanhóis.
No centro da cidade mantinha a mesma vida simples dos seus tempos de pescador. Andava pelas ruas com seu chapéu e uma sandália, coberto por uma manta, às vezes bege, outras verde. Dizem os escritos que foi ele um dos criadores de um aparato que muitos séculos depois levaria à invenção da bicicleta; seu veículo de fato lembrava tal invento da modernidade pelo que se observa nos desenhos feitos pelo artista da vila, que o retratou certa vez andando com seu transporte atás de uma estranha criatura de ombros largos e rosto eqüino que parecia fugir com medo. O principal problema de seu invento era a dificuldade de parar, uma vez que não haviam freios.
Sua fama de obscuro começou durante este seu período de estudos, não só por causa de seus textos e discursos, mas também por sua incrível capacidade de isolar-se em sua pequena habitação e distanciar-se do mundo, quando lia comédias e tragédias de autores locais e criava teorias mirabolantes sobre as mulheres. Também era chamado, ironicamente, de sábio da montanha, uma vez que isolava-se, mas sua sabedoria encontrava-se muito à frente da capacidade de compreensão de seus contemporâneos, que o tinham por louco.
Foi num momento oposto a esse, quando Pedráclito jogou-se em meio à cidade em busca dos lugares com os produtos mais baratos possíveis, que escreveu uma de suas obras mais famosas, cuja impressão original há muito foi perdida, restando apenas uma edição em inglês moderno que se intitula "Pedráclito's Guide to Hidden Cheap Places", que não só contém uma listagem de tais lugares em sua cidade, como toda uma metodologia de procura deles que até hoje pode ser aplicada.
O talento demonstrado na escrita desse livro teve seu ápice quando o já não tão jovem filósofo andava pelos vilarejos ao sul da cidade, deopis de procurar uma nova moradia por anos e nunca se dar por satisfeito. Lá, de forma absolutamente inesperada para os demais, Pedráclito teve a recompensa por sua teimosia e encontrou uma nova casa, muito barata, numa vila de pescadores. Pedráclito chamou então alguns amigos para ajudá-lo na longa mudança, entre eles Leniofonte, o sofista e Jorgemênides, o carroceiro. Este último possuia uma pequena carroça que Pedráclito imaginava ser capaz de carregar todas as suas posses pela longa distância de sua velha casa até a nova. Tal delírio se deu, certamente, pela vontade de não pagar um carroceiro profissional com um veículo maior para o transporte.
Havia uma longa descida da casa de Pedráclito até o local onde a carroça estava parada, o que deu ao migrante muito trabalho, assim como para seus amigos. Em certo momento fez-se necessário descer uma rústica estante onde o obscuro filósofo guardava seus livros. Os três e mais outro amigo, Amaro, o político, iniciaram a descida dela até a carroça. Eram todos filósofos, e em vez de discutir a melhor forma de realizar as tarefas da mudança, discutiam a mesidade da mesa e a cadeiridade da cadeira. A estante também não escapou de ter sua estanticidade discutida, e foi a primeira a sucumbir: quebrou-se violentamente na descida, logo no começo. A foto é uma reconstituição contemporânea de Pedráclito e Leniofonte discutindo ontologia diante dos objetos da mudança.
Para alegria dos demais, Pedráclito resolveu chamar uma outra carroça, capaz de carregar muito mais do que a pequena carroça de Jorgemênides. Estranhamente Pedráclito insistiu em levar quase tudo que possuia na carroça pequena, de acordo com o relato do próprio Jorgemênides.
O principal acontecimento da mudança ainda estava por vir. Tudo já havia sido descarregado nas proximidades da nova casa, e boa parte das coisas já havia sido até mesmo levadas escada acima, para dentro da habitação com vista para o mar e para a vila de pescadores.
Faltava ainda uma grande e pesada mesa, que precisava ser erguida escada acima, e antes ainda tinha que passar sobre um muro mais alto que os próprios filósofos. Do outro lado do muro, fora do terreno da casa, os quatro discutiam, desta vez de fato sobre a melhor forma de levar a mesa, embora as idéias e os palpites fossem muitas vezes absurdos. Chegaram a um acordo e iniciaram o processo. O que estaria por ocorrer não poderia ter sido imaginado. Pelos escritos de Lenifonte e Jorgemênides, eis o que ocorreu:
"Tudo que vi na minha frente foi Pedráclito sem cabeça. Subitamente a mesa caiu e girou. O que me aparecia era apenas um corpo inerte, sem cabeça e somente um ombro, quieto. Houve aquele momento, alguns longos segundos, em que se tenta entender o que se passa e que nenhum som é interpretado. Pensei 'que diabos fez Pedráclito?'. Achava que a culpa pelo desastre era dele, coitado. Sofre e ainda leva a culpa... porém, passados estes segundos passei a ouvir uma sádica gargalhada. Era Leniofonte, o culpado pela tragédia. Estranhamente eu também fui contagiado pela gargalhada, tamanhos são os dotes sofísticos de Leniofonte. O pior para Pedráclito é que os três rindo não conseguiam tirar a mesa de cima dele. Só posso imaginar o pânico de tal ser, que queria apenas morar longe e com tranquilidade, e quase perde a vida em tal processo." Jorgemênides, "Tratado do desastre anuciado", pg. 32.
Estamos ainda agurdando o término da tradução do trecho de Leniofonte sobre o ocorrido, que logo deve ser acrescentado aqui.
Pedráclito sobreviveu, e morou muitos anos naquela casa.
Pedráclito era um homem simples que vivia em uma pequena cidade próxima a Mileto, na atual Turquia. Em princípo era pescador, mas abandonou a atividade e mudou-se para a área central da cidade em busca de uma vaga na Acadêmia, onde logo destacou-se como aluno estudioso e perspicaz, embora fossem poucos os que de fato conseguiam entender o seu discurso sinuoso, sem pontos nem parágrafos e de extensão fora do comum. Era conhecido também, nos bosques que cercavam a pequena acadêmia, pelo seu bigode e sua vasta cabeleira, que segundo dizem, serviu de inspiração para um famoso cantor brasileiro quase vinte séculos depois, enquanto o bigode serviu de modelo para os toureiros espanhóis.
No centro da cidade mantinha a mesma vida simples dos seus tempos de pescador. Andava pelas ruas com seu chapéu e uma sandália, coberto por uma manta, às vezes bege, outras verde. Dizem os escritos que foi ele um dos criadores de um aparato que muitos séculos depois levaria à invenção da bicicleta; seu veículo de fato lembrava tal invento da modernidade pelo que se observa nos desenhos feitos pelo artista da vila, que o retratou certa vez andando com seu transporte atás de uma estranha criatura de ombros largos e rosto eqüino que parecia fugir com medo. O principal problema de seu invento era a dificuldade de parar, uma vez que não haviam freios.
Sua fama de obscuro começou durante este seu período de estudos, não só por causa de seus textos e discursos, mas também por sua incrível capacidade de isolar-se em sua pequena habitação e distanciar-se do mundo, quando lia comédias e tragédias de autores locais e criava teorias mirabolantes sobre as mulheres. Também era chamado, ironicamente, de sábio da montanha, uma vez que isolava-se, mas sua sabedoria encontrava-se muito à frente da capacidade de compreensão de seus contemporâneos, que o tinham por louco.
Foi num momento oposto a esse, quando Pedráclito jogou-se em meio à cidade em busca dos lugares com os produtos mais baratos possíveis, que escreveu uma de suas obras mais famosas, cuja impressão original há muito foi perdida, restando apenas uma edição em inglês moderno que se intitula "Pedráclito's Guide to Hidden Cheap Places", que não só contém uma listagem de tais lugares em sua cidade, como toda uma metodologia de procura deles que até hoje pode ser aplicada.
O talento demonstrado na escrita desse livro teve seu ápice quando o já não tão jovem filósofo andava pelos vilarejos ao sul da cidade, deopis de procurar uma nova moradia por anos e nunca se dar por satisfeito. Lá, de forma absolutamente inesperada para os demais, Pedráclito teve a recompensa por sua teimosia e encontrou uma nova casa, muito barata, numa vila de pescadores. Pedráclito chamou então alguns amigos para ajudá-lo na longa mudança, entre eles Leniofonte, o sofista e Jorgemênides, o carroceiro. Este último possuia uma pequena carroça que Pedráclito imaginava ser capaz de carregar todas as suas posses pela longa distância de sua velha casa até a nova. Tal delírio se deu, certamente, pela vontade de não pagar um carroceiro profissional com um veículo maior para o transporte.
Havia uma longa descida da casa de Pedráclito até o local onde a carroça estava parada, o que deu ao migrante muito trabalho, assim como para seus amigos. Em certo momento fez-se necessário descer uma rústica estante onde o obscuro filósofo guardava seus livros. Os três e mais outro amigo, Amaro, o político, iniciaram a descida dela até a carroça. Eram todos filósofos, e em vez de discutir a melhor forma de realizar as tarefas da mudança, discutiam a mesidade da mesa e a cadeiridade da cadeira. A estante também não escapou de ter sua estanticidade discutida, e foi a primeira a sucumbir: quebrou-se violentamente na descida, logo no começo. A foto é uma reconstituição contemporânea de Pedráclito e Leniofonte discutindo ontologia diante dos objetos da mudança.
Para alegria dos demais, Pedráclito resolveu chamar uma outra carroça, capaz de carregar muito mais do que a pequena carroça de Jorgemênides. Estranhamente Pedráclito insistiu em levar quase tudo que possuia na carroça pequena, de acordo com o relato do próprio Jorgemênides.
O principal acontecimento da mudança ainda estava por vir. Tudo já havia sido descarregado nas proximidades da nova casa, e boa parte das coisas já havia sido até mesmo levadas escada acima, para dentro da habitação com vista para o mar e para a vila de pescadores.
Faltava ainda uma grande e pesada mesa, que precisava ser erguida escada acima, e antes ainda tinha que passar sobre um muro mais alto que os próprios filósofos. Do outro lado do muro, fora do terreno da casa, os quatro discutiam, desta vez de fato sobre a melhor forma de levar a mesa, embora as idéias e os palpites fossem muitas vezes absurdos. Chegaram a um acordo e iniciaram o processo. O que estaria por ocorrer não poderia ter sido imaginado. Pelos escritos de Lenifonte e Jorgemênides, eis o que ocorreu:
"Tudo que vi na minha frente foi Pedráclito sem cabeça. Subitamente a mesa caiu e girou. O que me aparecia era apenas um corpo inerte, sem cabeça e somente um ombro, quieto. Houve aquele momento, alguns longos segundos, em que se tenta entender o que se passa e que nenhum som é interpretado. Pensei 'que diabos fez Pedráclito?'. Achava que a culpa pelo desastre era dele, coitado. Sofre e ainda leva a culpa... porém, passados estes segundos passei a ouvir uma sádica gargalhada. Era Leniofonte, o culpado pela tragédia. Estranhamente eu também fui contagiado pela gargalhada, tamanhos são os dotes sofísticos de Leniofonte. O pior para Pedráclito é que os três rindo não conseguiam tirar a mesa de cima dele. Só posso imaginar o pânico de tal ser, que queria apenas morar longe e com tranquilidade, e quase perde a vida em tal processo." Jorgemênides, "Tratado do desastre anuciado", pg. 32.
Estamos ainda agurdando o término da tradução do trecho de Leniofonte sobre o ocorrido, que logo deve ser acrescentado aqui.
Pedráclito sobreviveu, e morou muitos anos naquela casa.
3 comentários:
Feliz por ter conhecido o trio de filósofos milenares, contemporaneamente...! Espero que a saga continue sempre, Sr. Carroceiro!
se for preciso eu pago pra ver o trio em açao. e entendam açao nao como peripecias que dependam de qualquer nivel de resistencia fisica, mas açoes como um blog, um xaveco fracassado (meu preferido!) e como aqui está escrito, um rolê desastroso!
keep it up boys! =D
é, nessa eu tou contigo, fabíola. concordo plenamente. aproveito que cê vai pagar e vejo pela fresta o fracasso de um xaveco. isso é genial. filmem, ou tirem fotos!
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